A sarna da macieira (Venturia inaequalis) é uma das doenças mais graves da cultura da macieira no mundo, primordialmente nas regiões de clima temperado. Por esse motivo, essa doença é uma das mais estudadas, sendo que a especiação fisiológica do patógeno é uma das temáticas de grande importância na pesquisa científica fitopatológica na cultura da macieira. O primeiro trabalho de descrição de diferentes raças de sarna pelo mundo é de 1956, no qual Shay e Williams (1956) reportam as raças 1, 2 e 3. Depois, a raça 4 foi encontrada nos EUA em 1962 (SHAY et al., 1962), a raça 5 na Inglaterra em 1968 (WILLIAMS e BROWN, 1968), a raça 6 na Alemanha em 1993 (PARISI et al., 1993), a raça 7 na Inglaterra em 1994 (ROBERTS e CRUTE, 1994) e a raça 8 na Nova Zelândia em 2005 (BUS et al., 2005). 1y5ih
Já no Brasil, apenas um estudo de especiação fisiológica de V. inaequalis foi realizado por Schenatto et al. (2008), cuja pesquisa considerou a avaliação de apenas 9 isolados monoconidiais do fungo, obtidos em Vacaria/RS, Monte Alegre/RS, Cambará do Sul/RS, São Joaquim/SC, Bom Jardim da Serra/SC e Fraiburgo/SC. Embora tenha sido constatada apenas a raça 1 nos isolados em questão, os próprios autores não descartam a possibilidade da existência de outras raças do fungo nas regiões de plantio de macieira no Brasil. Os autores sugerem, ainda, que um trabalho mais amplo de investigação é demandado no Brasil.
Mas para que esse trabalho possa ser realizado, é necessário um conjunto de 18 cultivares diferenciadoras (Host Scab) específicas (BUS et al., 2008; BUS et al., 2010; DUNNEMAN e EGERER, 2010), cada uma delas portando genes específicos de resistência (Tabela 1). Nesse trabalho, cada cultivar diferenciadora é inoculada com os isolados do patógeno, e o padrão de reação da doença em cada planta é o que permite identificar qual é a raça do patógeno em cada isolado. A importância desse tipo de estudo é tão grande que desde 2007 foi estabelecida uma rede mundial de monitoramento da variabilidade de raças e da virulência dessas raças de V. inaequalis, cujo projeto foi fundado e é coordenado até hoje pelos pesquisadores Dr. Andrea Patocchi (Instituto Agroscope/Suíça) e Dr. Vincent Bus (Instituto Plant & Food Research/Nova Zelândia).
A Epagri é a única instituição Sul americana que faz parte dessa rede, tendo integrado o projeto em 2014, a partir de quando se iniciaram as tratativas de importação das cultivares diferenciadoras para o Brasil, pois parte das cultivares listadas não estavam disponíveis no Banco de Germoplasma de Macieira (BAG-Maçã) que também é mantida na Epagri/Estação Experimental de Caçador (EECd). Portanto, desde 2014, a Epagri vem tentando importar todo o conjunto de cultivares diferenciadoras (Host Scab), mas por terem sido identificadas pragas quarentenárias no material de propagação de plantas trazidas em tentativas anteriores o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) determinou a destruição de todo o lote de plantas na Estação Quarentenária da EMBRAPA/CENARGEN.
Novas tentativas de importação foram feitas diretamente da Suíça, onde se encontra o principal repositório de germoplasma dessas cultivares diferenciadoras. Finalmente, em Maio/2020 foi recebido o material de propagação de 15 dessas cultivares (Processo de Importação MAPA Nº 21016.000268/2018-80; Permissão de Importação MAPA Nº 263/2018), cuja enxertia foi realizada imediatamente sobre Seedlings de macieira (plantas derivadas de semente), e cujas mudas estão sendo desenvolvidas em viveiro na Epagri/EECd para serem então instaladas à campo na EECd e também enviadas para a Epagri/Estação Experimental de São Joaquim (EESJ). Uma nova geração de multiplicação em maior escala ainda é requerida para o estabelecimento de amplas coleções de plantas nas duas unidades de pesquisa da Epagri. Só então é que poderão ser iniciados trabalhos de monitoramento de raças e da virulência de Venturia inaequalis no Brasil, bem como a ativa e efetiva participação do Brasil no projeto Vinquest
(https://www.vinquest.ch/index.html ). Esse estudo de monitoramento da variabilidade de Venturia inaequalis no Brasil é de extrema importância, pois além de nortear as práticas de manejo da doença nos pomares comerciais de maçã, também subsidiará o trabalho de Melhoramento Genético no sentido da piramidação de genes de resistência à sarna no germoplasma desenvolvido. Tudo isso, tem efeito direto na durabilidade da resistência genética à doença das cultivares no país, pois o uso indevido das tecnologias disponíveis pode incorrer em ?quebra? da resistência rapidamente, a exemplo do que se observou em várias regiões do mundo com o surgimento da raça 6 de V. inaequalis. Além disso, o Brasil também poderá contribuir com informações científicas para o trabalho de monitoramento e estratégias globais de manejo e de desenvolvimento de novas cultivares resistentes.
*Marcus Vinicius Kvitschal 1 ; Claudio Ogoshi 2 ; Leonardo Araújo 3 ; Marcelo Couto 4
1 Eng. Agrônomo, D.Sc. Genética e Melhoramento. Pesquisador na Epagri/Estação Experimental de Caçador, e-mail: marcusvinicius@epagri.sc.gov.br;
2 Eng. Agrônomo, D.Sc. Fitopatologia. Pesquisador na Epagri/Estação Experimental de Caçador, e-mail: claudioogoshi@epagri.sc.gov.br;
3 Eng. Agrônomo, D.Sc. Fitopatologia. Pesquisador na Epagri/Estação Experimental de São Joaquim, e-mail: leonardoaraujo@epagri.sc.gov.br;
4 Eng. Agrônomo, D.Sc. Manejo e Tratos Culturais. Pesquisador na Epagri/Estação Experimental de Caçador, e-mail: marcelocouto@epagri.sc.gov.br
REFERÊNCIAS: BUS, V.G.M.; LAURENS, F.N.D.; VAN de WEG, E.; RUSHOLME, R.L.; RIKKERINK, E.H.A.; GARDINER, S.E.; BASSETT, H.C.M.; PLUMMER, K.M. The Vh8 locus of a
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SCHENATO, P.G.; VALDEBENITO-SANHUEZA, R.M.; DUARTE, V. Determinação da presença da raça 1 de Venturia inaequalis no Sul do Brasil. Tropical Plant Pathology, v.33, n.4, p.281-287, 2008. SHAY, J.R.; WILLIAMS, E.B. Identification of three physiologic races of Venturia inaequalis. Phytopathology, v.46, p.190-193, 1956. SHAY, J.R.; WILLIAMS, E.B.; JANICK, J. Disease resistance in apple and pear. Proc. Amer. Soc. Hortic. Sci., v.80, p.97-104, 1962. WILLIAMS, E.B.; BROWN, A.G. A new physiological race of Venturia inaequalis incitant of apple scab. Plant Dis. Rep., v.52, p.799?801, 1968.